sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Tempos Melhores Virão Depois do Ano Passado em Salvador

Na época eu morava num quarto-e-sala nos Barris, sem dinheiro no bolso, sem mulher, sem porra nenhuma, apenas com um pinscher hiperativo. Eu gostava de ficar em casa fumando um e assistindo TV. Era quando eu relaxava. Eu era caixa no Banco do Brasil do Comércio de segunda a sexta. Era um saco. Sábados e domingos eram menos chatos, mas não menos . O que me alegrava mesmo era o futebol, especificamente o Esporte Clube Bahia. Só que nesse tempo o Bahia tava uma bosta, só levava porrada. Há muito o Bahia tinha deixado de ser temido pelos adversários. Tive sorte de ver o time bem. Eu tinha doze anos e tava na Fonte na final com o Inter, em oitenta e nove. Aquilo sim era futebol. Não essas bostas, cambada de perna-de-pau do caralho. Nesse ano o Bahia tava mesmo um cu. Um tempo de malditas vacas magras. Eu não aguentava mais a gozação na rua, no trabalho e todo aquele negócio. O Vitória na série A e o Bahia na B. Que bosta! E o pior era que estávamos jogando em Feira de Santana por causa do acidente na Fonte e tudo mais. Por conta disso paguei com muito esforço o pacote dos jogos na TV por assinatura. Não podia ir a Feira, mas também não podia ficar sem assistir os jogos.

Quando não tinha jogo, eu também gostava de brincar com a minha carabina. Colocava uns alvos no sofá e ia pro outro lado do apartamento atirar; também sentava no sofá e colocava os alvos em cima da televisão. Geralmente usava garrafinhas de iogurte. A parede era toda furada de balas de chumbinho.

Era sábado a tarde e eu decidi caçar lagartixas com a minha carabina antes do Bahia x Fortaleza. Ali uma subindo a parede. Tei!, passou perto. Ela saiu correndo como uma maluca e parou dois metros adiante na parede. Mirei bem na ponta da cabeça. Tei!, ela se espatifou no chão. Saí procurando outras, mas não achei. Achei uma barata. Mirei bem de pertinho e... Tei! Se fudeu. "Que horas são?", perguntei a mim mesmo. Olhei no relógio, quatro horas. Vou ver o jogo.

O Bahia começou atacando. Elias deu um passe de uns trinta metros pra Ávine, que avançou pela esquerda, mas levou uma jogada de um maluco do Fortaleza e saiu rolando pelo chão. "Falta, seu juiz filho de uma puta!" berrei alto pro prédio todo ouvir. "Ladrão! viado! sua mãe é minha!", gritei mais uma vez com vontade.

Paulo Isidoro chutou a meia altura de fora da área e gol. Fiquei pirado. Peguei a carabina e carreguei com um chumbinho mais aerodinâmico - com maior poder de perfuração -, mirei num copo de vidro e tei!, estraçalhei-o. Fui na cozinha buscar uma garrafa de 51. Enchi um copinho e virei. Enchi outro e virei. Acendi um baseado. Quando voltei, a porra da partida já tava dois a um pro Fortaleza. Malditos cearenses filhos da puta. Arremessei o copo contra a parede. O baseado me acalmou e até fez reacender um fio de esperança, não sei o porquê. Intervalo. Fui à janela com a carabina pra fumar um cigarro. Com o cigarro na boca mirava nas pessoas da rua e fingia acertá-las.

O segundo tempo foi uma merda só. Marcelo Nicácio fez de cabeça, o que me deixou puto. Dei um tiro na televisão e outro e mais outro. Já era a imagem. Tomei um porre filho da puta de cachaça e decidi descontar minha raiva em alguém. O pinscher tava andando de costas pra mim. Mirei certinho no cu dele. Tei!, na mosca. "Caim, caim, caim", ele agonizava. Fiquei assistindo sua morte durante uns trinta minutos e fui bater uma punheta. Quando voltei ele ainda tava vivo, então dei um tiro de misericórdia bem no seu olhinho.

Hoje sinto falta do meu pinscher; o Bahia dá poucos sinais de melhora, e a minha vida continua a mesma merda.

Um comentário:

Anônimo disse...

Charles Bukowski! Velho Safado!

Felipe