quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A moral ácida da vagabunda


Naquela noite, já estava drogado o suficiente pra beijar aquela vagabunda novamente. Um pouquinho de anfetamina ali, um pouquinho de THC aqui, apertando um baseadão com esses dedos digitadores e alegria pura no olhar. Ótimo.
É nessas horas que você pensa que não há mais nenhum resquício de sua moral cristã no jogo: você já está com a cabeça entupida de substâncias, um sexo casual sujo seria somente mais um sopro naquela ventania toda. Pelo menos eu pensei e pensaria assim em qualquer situação parecida, mesmo considerando que ando com a cabeça substanciada em 99% do tempo.

A menina tinha um corpo bem bonito, apesar da cara de 5 anos mais velha que eu não imaginei de onde poderia vir.

- "Ah, ela deve se drogar mais que eu pra ter uma cara dessas."
Pensei por um momento, sendo respondido pela visão de meus próprios dedos responsáveis enrolando um tal king king size por ser o único com habilidade para tal: "Ô! Acho que não..."

Uma típica gostosinha perigosa, daquelas que você não exibiria em casa pelo perigo que ela representa (e não por ser gostosa) pra sociedade cristã atual, mesmo considerando toda a libertinagem do momento vivido.
Esse perigo a deixava mais excitante, óbvio, e à medida que as substâncias dançavam um tango intenso nesse espaço nefasto chamado cérebro, eu me permitia pensar que "só uma pegadinha não vai fazer mal a ninguém" – e não era sobre o baseado.
E continuava a minha malandragem comportamental aguda. A aproximação dos corpos era iminente. A vontade saltava dos meus poros abertos e coloridos. Fantástico, até então.

Algum telefone tinha que tocar alguma hora, pra fuder de vez com todo o processo, claro. Era a hora do celular tocar.
Não era o meu celular, até porque eu fingia não ter esse aparelho por não ter condições morais ou cognitivas para manter um diálogo com mais do que aqueles seres humanos ali presentes no pico, no caso, eu, Julinha e a vagabunda.

- "Oi, Dan", diz a vagabunda.
"Ãh? É..." - silêncio.
"Tô aqui com Julinha e Bóris (esse sou eu)" - silêncio.
"É" - silêncio.
"Não." - silêncio.
"Não... tsc... Tchau!" - a vagabunda desliga o celular. "Que grosso!” – diz a vagabunda, se referindo ao seu boy Dan.

Julinha indagou rapidamente, a fim de saber o que tinha acontecido, pois que eles se deram sempre bem e ficavam juntos há algum tempo, já, sem muita confusão. A resposta veio como um murro de Nietzsche:
"Esse Dan é um moralista, mesmo, vei. Odeio moralismo!" - disse a vagabunda, fingindo ler filosofia.

Eis que o ácido em meu cérebro apronta mais uma, me delegando a responsabilidade moral de entender realmente o que se passou ali. É difícil quando você, doidão, se depara com situações em que você é realmente o mais sóbrio do jogo.
Pensei "moral... moral... beleza...", e procurava entender o que era aquilo. Uma vagabunda reclamando de moral? Ok, ela pode, claro, ela é imoral, claro. Ela é imoral.
Ela é imoral?
Ela não sabe o que é moral. Ela não sabe o que é imoral.
Imoral?
Ela só queria dar mais uma vez, ó, claro, o Dan não devia ter sido tão moralista, ele não devia ter ficado chateado só porque a vagabunda que ele pega queria dar uma curtida substancial (no sentido ilícito, claro, imoral, claro) com outro rapaz que inicialmente só queria dar uma transada substancial (também no sentido ilícito da coisa), sem compromisso, sem moral, e que acaba sendo derrubado do pilar de seu desejo por um ímpeto substancial (agora no sentido filosófico) advindo de questionamentos morais sobre a moral cristã num ato sexual descompromissado.

Este rapaz, embebido num poço de moralidade, se torna vítima da moral que surgiu como piada e acabou derretendo todo o feeling sexual da jogada como derretem as luzes da cidade ou os prédios altos e coloridácidos que enfeitavam a bela vista.

2 comentários:

Caveiro disse...

Leria um livro inteiro nesse estilo.
Classe A!

Camila Schindler disse...

Porra, quase um joão ubaldo ribeiro da contemporaneidade.

* comentário digno de "fingindo ler filosofia"