segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Tetraidrocanabinol

Domingo era o dia marcado pra estudar. A leve ressaca do sábado já havia se dissipado ao sabor do longo sono da noite e a ressaca moral da sexta problemática já tinha sido lavada na primeira defecada. "A vida é linda", eu pensava. O retorno aos estudos é sempre complicado, seja depois de alguns meses de férias, depois de uma vida trabalhando como pedreiro, como um importante empresário, depois de curtas férias de 2 semanas ou mesmo depois de uma noite relaxante de olhos colados. Não importa, a dor de retornar aos livros é sempre intensa.

Por outro lado, domingo é como um brother que não tá afim de se mexer muito, passou o dia todo deitado e gosta dessa condição, independente do que você ou sua hiperatividade juvenil acham.
E eu... Eu sou o tipo de cara que topa tudo por uma boa fuga, escapadinha malandra, um opositor político da caretice e do retorno aos estudos. Esse sou eu.

E como disse anteriormente, nesse domingo eu estava com a cabeça bem voltada aos livros. Certo. Isso é o que eu gostaria de dizer pros meus filhos. Minha mãe, por outro lado, não gostaria de ler essa história toda.
Talvez só a parte que eu falo "meus filhos".
Essa parte ela ia gostar.

Sinceramente o que importa agora sobre minha mãe é que ela não gosta de uma fumada de cannabis no seu apartamento. Ela acha o ato repulsivo, sujo, pesado, roqueiro, bandido, ilícito, faveloso, adicto, perdido, destruidor de mentes, anaquilador de desejos, vertente mor da destruição, asco, escória, discórdia, e uma corja de putos desgraçados.

Eu acho tão bom quanto tomar sorvete na sorveteria mais colorida e feliz do bairro com meus primos.
Exceto que é uma porra de uma planta proibida num beco preto da porra com meus amigos mais marginais e tatuados.


Independente dessa questão viciada, esse domingo tudo podia dar merda e eu sabia disso. Foquei nas tarefas e comecei a digitar cedo, às 07:30, como um escritor solitário. Assim, pouca coisa daria merda, acreditei piamente.

Fui interrompido 07:34, quando meu irmão Michel e sua fala mais baiana do que ele me reveleram:

"Vou ali pra praia viu que eu to afim de pegar uma praia lá com os cara e a água vai ser dura essa porra. Me empreste seus óculos escuros?".

Ok. Tudo bem. Além de mim, tinha três pessoas na casa, então a moral e os bons costumes estariam preservados até ali.

Voltei para os estudos e às 07:42 meu irmão Julio já me interrompe com piadas infames: "Bicho, vou ali na casa da galera fazer um trabalho". Uma grande mentira, que eu aceitei com prazer, afinal, ter um irmão a menos é sempre ter um irmão a menos. Não é como um membro do seu corpo que você morreria sem. É somente um membro familiar, como uma unha ou um fio de cabelo, algo que cresceria de novo ou que não faria diferença ficar sem.

Meu outro irmão, Marquinho, dormia feito uma vagabunda de ressaca. Com as pernas abertas e uma cara escrota de quem não acordaria nem em 4 meses nem com a eclosão da 3ª Guerra Mundial. Eu respeitava a atitude: ele dormia muito, mas sabia o que estava fazendo. Queria mesmo dormir.

A situação começava a se tornar favorável para a auto-diversão vagabunda (ou desfavorável para o time da caretagem, moral cristã e retorno aos estudos). Eu e mais duas pessoas em casa, sendo uma delas invalidada pelo sono de uma noite possivelmente inútil e a outra... A outra era problema.

Era minha mãe, um amor de mãe, de fato, praticamente sócio-fundadora do time da caretagem, mais espeficicamente, diretora-geral do departamento de narcóticos, e dona do tridente de ouro que regula as regras do apartamento. Além de presidente da Moral Família, empresa que considera respeito como um primo do medo e vê fumaça como uma evidência cabal de que há fogo, quente, ardente, e violentíssimo, acontecendo há alguns metros ou alguns neurônios de distância.



É certo que em casa eu fumaria maconha em qualquer situação de iminência de chegada dos meus 3 irmãos sem muitos problemas, mas... Não tocaria numa Smoking enquanto minha mãe estivesse por perto. Fato certo.
Ela sempre sabia da fumaça que rolava em minha cabeça. Minha cabeça é expansiva e exposta, aberta demais para segurar tal futum.


E o domingo, aquele antigo brother que só quer deitar na porra do sofá e ainda espera que você pegue o controle remoto pra ele, chega dançando samba com um sorriso muito maroto no rosto. "Safado...", eu pensava.

Para meu deleite, aquele domingo, diferente de todos os outros, era o domingo de retorno de minha mãe às missas (o retorno às missas é ainda mais difícil do que o retorno aos estudos), assim, era o momento divino do pecado. A saída dela representava a entrada dos Rolling Stones no apartamento. Mas sem as Stones na história. Só o Rolling e a indecência moral do grupo musical.

A fumaça dos meus olhos pedia fumaça no meu coração (quase uma poesia), e na verdade, a fumaça que confundia o retorno aos estudos em minha cabeça predizia que uma certa fumaça entraria nos meus pulmões.
Lógico. Sem minha mãe e seu tridente, sem meus dois irmãos bufões e o outro dormindo feito pedra, era hora de acender.

E agora aquele guerreiro cansado e desgastado pela night inconsequente se bateria frente a frente com as letras, as palavras, os significados escondidos naqueles malditos textos ou, ao invés disso, deixaria seus olhos vermelhos e seus corações em chamas com aquele antigo prazer cannabíco.

A maconha, massa mais utilizada na obra criativa mental, é um fantástico fumo, que traz alegria, verdades, virtudes e caminhos para aqueles que a utilizam. Qual o problema então desse senhor fumo, senhor? Ele, pior do que eu, odeia estudos. Odeia a memória, melhor amiga dos estudos acadêmicos.
Memória está pra maconha como um jogador de futebol está para um livro de física quântica. Ou assim como um físico nuclear está pra grana, mulheres, drogas e nights inacabáveis.

Meu irmão Marquinho não curtia o fumo. Ele era muito novo. Para ele, maconha era como a borboleta psicodélica da Eliana. A borboleta deveria ser negada, afinal, como ela poderia ser boa se é algo que você não pode contar nem pro seu pai e nem pra sua mãe? Certo, Eli.
Com isso em mente, considero também a inexperiência do pequeno Marco com flores lombrativas. Ele não saberia diferenciar o cheiro de outro cheiro qualquer de mato maluco queimado, certo.

O momento era perfeito. O timing seria ideal. 5 minutos de fumo, 10 minutos de barrunfo, 2 horas relativas de lombra. Perfeito. Apertar o baseado foi tão ridículo e banal, me custando somente 2 minutos do meu tempo. Eu não sou amador nesse quesito.

Nessa altura, os estudos já haviam se tornado poeira também. Cinzas, como aquela Smoking queimando e caindo no chão da varanda. Restos mortais de um sistema de ensino, de livros que escondiam conhecimentos dos mais diversos. Ah, a fumaça... Essa antiga e diária fumaça.

No retorno à realidade, meu medo das palavras secretas se tornou uma grande mentira. Ao invés de retornar aos estudos -algo sempre muito difícil, como falei-, o que consegui retomar foi meu desejo escondido, mas menos escondido do que o conhecimento nos livros. Sim, aquele ímpeto cannabíco acrescentaria algo em minha vida. Não só curaria minha ressaca, não só me deixaria feliz por 2 horas, não só me daria uma fome que com certeza o enjoo das bebidas de sábado bloqueava. 

O fumo fumado me permitiria escrever, entrar em contato com os conhecimentos escondidos existentes naquele neurônio mais arreado, mais arqueado para dentro do cérebro. O fumo induziu a uma gama de conexões neuronais de grande e pequeno porte, trazendo aos meus dedos rápidos toda aquela lista de palavras, contextos, conceitos e opiniões. Aqui estou eu, então, abraçado pelo tetraidrocanabinol -ele não é nenhum santo-, inspirado de sobra para escrever aquele que seria o maior conto metalinguístico já escrito por mim até então.