Carlos saiu da aula cansado. Foi pro ponto de ônibus. Sentia seu corpo mole. Pegou a mão de Cícera e botou na testa:
-Tá quente?
-Não. Normal.
Sentia como se uma bola de basquete tivesse no seu estômago e isso impedia ele de fazer as coisas que ele mais gostava. Correr. Gritar. O ônibus demorava e ele sentou no banco pra esperar. Era uma tarde quente. Tava quente. Tava muito quente aquele banco. Sentiu como se enfiassem uma agulha no seu cu e se levantou. Cruzou os braços. Pegou o celular e viu a hora. Três e cinquenta. Lá vem a porra do busu. Quanto entrou no ônibus sentiu um cheiro nostálgico. Lembrou da época que sua tia ia buscá-lo na escola de ônibus. O cheiro dos ônibus daquela época era exatamente aquele. Foi como se voltasse no tempo. Como se tivesse quatro anos e carregasse uma mochilinha das Tartarugas Ninja nas costas. Mas ele tinha vinte e um e carregava uma mochila Company pesada pra caralho. O ônibus tava lotado e Carlos foi em pé. Aquela sensação de corpo mole e bola de basquete continuava. Até que num curto espaço de tempo um cara se levantou bem na frente dele pra sair. Sentou-se no lugar do cara. Do seu lado tinha um maluco de óculos olhando pra janela com uma bolsa no colo e um relógio Casio enorme apontando a hora bem pra sua cara. Quatro e quarenta e três. Carlos ficou olhando praquele cara. Imaginou como seria a vida dele, o que ele fazia nas horas vagas. Ele era normal? Não parecia. Carlos só queria chegar em casa deitar e curtir sua agonia. Aquela sensação era agoniante. Olhou pro lado esquerdo. Tinha um cara bem magro com uma camisa hippie. O gogó do cara era enorme. Descomunal, que porra era aquela. De vez em quando o gogó levantava e descia. Carlos concluiu que ele tava engolindo saliva. Normal. Engolir saliva é normal. Ele parecia normal. Só tinha aquele gogó avantajado. Alguma mulher podia achar aquilo sensual. Uma velha ficou parada em pé do lado de Carlos e cheia de compras. "Não vou levantar pra dar lugar a ela nem a pau", pensou; "Eu tô fudido aqui com essa bola de basquete no estômago que não me deixa nem respirar". Carlos ficou na dele até que chegou seu ponto. Pra sair foi um sacrifício com aquele busu lotado. Nenhuma. Caminhar era torturante. Os passos eram muito lentos e curtos. Pra atravessar a rua só podia ser com o sinal fechado e olhe lá, senão era morte certa. Um caminho que ele faz em cinco minutos, fez em vinte e finalmente chegou em casa. Foi direto pro quarto e deitou-se. Quando se deitou a força da gravidade fez com que a bola de basquete pressionasse a coluna e pra se acostumar com aquilo demorou um pouco. Não é nem que doía, mas incomodava. Sua mãe chegou:
-O que você tem, filho?.
-Sei lá, parece que tem uma bola de basquete no meu estômago e tô sentindo o corpo mole, como se tivesse com febre, encosta a mão aqui.
-Parece normal. Vou pegar o termômetro - e saiu.
Com termômetro no sovaco, Carlos ligou a TV. Ficou mudando de canal procurando qualquer coisa. Desistiu. "Será que foi aquela coxinha com pimenta que eu comi mais cedo?", pensou. Não é uma hipótese a se descartar, mas podia ter sido também um kibe nojento ou um enroladinho de queijo e presunto. Lá vem sua mãe pra buscar o termômetro. Trinta e sete. Tá no limite do normal. Sua mãe saiu. Carlos ficou de olhos fechados procurando uma posição que não fosse incômoda. Até que ficou de lado. Sua mãe volta com uma colher com uma substância líquida rosa. "Isso vai fazer você melhorar", ela disse. Carlos tomou aquela parada e ficou na dele. Pegou O Velho e O Mar de Hemingway e ficou lendo. Soltou um arrotinho. Continuou lendo. O velho já tava há um dia e meio em alto mar tentando pegar aquele maldito peixe e Carlos já tava há três horas com aquela sensação. Bateu vontade de peidar. Como Carlos não sabia a procedência daquilo peidou com jeitinho. Folgou só um pouquinho do cu pra ver se saía líquido ou gasoso. Gasoso. Soltou o resto aos pouquinhos. No livro, o velho tava com as mãos em carne viva de tanto segurar aquela linha tinha fisgado o espadarte gigante e Carlos soltou um longo e barulhento peido. Sentiu melhorar sua dor. Era como se estivesse esvaziando a bola de basquete. Continuou assim até que adentrou a madrugada e terminou o livro. Antes de dormir já se sentia noventa por cento curado. Os outros dez por cento foram exalados durante o sono. Sonhou que andava de skate.
3 comentários:
O Brasil com certeza estava perdendo um grande autor, graças a Deus você percebeu a tempo o seu inorme talento!
Graaande conto!
eu ri demais!
Mas ficou massa, sério mesmo!
Eu nunca li "O velho e o mar". É bom?
É bala. O velho se fode pra caralho.
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